30.3.10

Cerâmica

Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.Sem uso,ela nos espia do aparador.

- Carlos Drummond de Andrade

22.3.10

Faz um tempo que as aulas na faculdade são as mesmas, cansativas, às vezes chatas mesmo! Mas hoje fui surpreendida por um senhora que resolveu fazer faculdade depois que seu casal de filhos passou na faculdade.

Olhar triste, olhos cansados, fácil perceber que ela estava ali, mas a cabeça não.
Não precisei perguntar se ela queria conversar, ela foi logo contando toda a sua vida.
Seu marido morreu em 2003 e desde então ela não é assim, feliz. Palavras dela.
Tentei contar um pouco sobre o meu pai, que faleceu em 2005. Ela tem quase a mesma idade da minha mãe. Disse que ficou feliz por me encontrar, por ter conversado comigo. Fiquei feliz por ter despertado nela um sorriso.

Fiquei pensando no que posso falar para ela na próxima aula. Talvez eu não precise falar nada, só ouvir. Acho que ela não tem com quem conversar sobre esses problemas que a incomodam tanto.

E como o pensamento vai longe....

Por muito tempo, à noite, eu sentei na mesa da cozinha ao lado do meu pai. Ficávamos conversando por horas. E em uma de nossas conversas ele me falou: "Tenho que te falar uma coisa filha, quando vocês completam 13, o mundo passa a ser de vocês e vai assim até 30 anos. O pai que antes era um herói, depois dos 13 anos se torna uma pessoa que não entende de nada. "
Claro que eu não concordei com ele, lembro de ter ficado quieta. Por que discutir? Não ia mudar o que ele pensava e na época eu tinha 13 anos.

Hoje sei que (em partes) ele tinha razão.
Hoje eu também sei que não é perda de tempo pensar um pouco sobre o que os mais velhos falam. Como eu gosto de ouvir. Quem me conhece, sabe que gosto de falar bastante também. Mas mais do que falar, eu gosto de ouvir. Aprendemos tanto, percebemos muito mais as pessoas.

(E o pensando continuou indo longe...)

A gente cresce rápido e a falta que ele me faz. Ele me faz forte e o carinho jamais se apagará.
Às vezes ainda dá um aperto no coração.

Parece um montão de besteira, mas pra continuar, é preciso ser forte..

2.3.10

O senhor estava sentando no ônibus

O ônibus passa, eu dou com a mão e felizmente ele para. Às vezes isso não funciona muito bem...

Lá estava o homem sentado, cabelo chanel, de pernas abertas e mão na cabeça. Logo se via que estava tranquilo, afinal o dia já havia terminado e devia estar a caminho de casa.
Sentei na sua direção, na poltrona do outro lado do corredor e observei...

Passado um tempo, ele tira um espelho da sua bolsa. Desses que toda mulher carrega, ou melhor quase todas. Se olha , olha bem, dá uma ajeitada em seu cabelo. Nesta hora confesso que fiquei um pouco apreensiva, seu cabelo parava em qualquer posição que fosse colocado. Não, não era um cabelo sedoso, era um cabelo seboso!

Pronto, o cabelo estava arrumando e ele guardou o espelho de volta na bolsa.
Comecei a perceber movimentos estranhos em sua boca. Foi quando ele percebeu que eu estava olhando, então dei um sorrisinho e ele devolveu.
De repente, salta a dentadura de sua boca para a sua mão. Pensei: Que nojo! Se eu estava com fome na hora, passou. Ele esfrega bem as suas mãos nela, olha, esfrega de novo. Dentadura limpa, hora de colocá-la no lugar de onde ela veio. No lugar dela, na boca. Então ele lança a dentadura na sua boca. É claro que ela não caiu no lugar certo, mexe daqui, mexe de lá.

Pronto, agora sim, cabelos arrumados e penteados. Dentadura limpa e na boca.

Pra que chorar, pra que sofrer?

O poetinha conhecia as regras da vida.
Pra que chorar se os dias continuam a passar no mesmo ritmo.
Pra que sofrer se o céu está nublado e chuvoso, se o sol vai nascer no outro dia.
Não, não me venham com melancolia. A melancolia pediu licença para felicidade, mas hoje não! É melhor ser feliz...

No ônibus...

Em meio a um mundo de desigualdades tao distintas, de sofrimentos visíveis e de tristezas camufladas, por vezes expostas; é evidente a necessidade por companhia de todos . Sem perceber que , vez por outra, estamos sozinhos. E isto não é ruim como comumente prega-se por essas ruas.

"Você vai comprar ingresso ou vai retirar?"
r: vou comprar mesmo...
"A senhora está na fila certa! "

(passado um tempo ela volta)

"Mas só tem lugar separado, esgotaram os lugares juntos"
r: Vou assistir ao espetáculo sozinha mesmo!
(Um sorriso no canto do rosto com ar de quem queria, mas sabia que não haveria mais perguntas)
" Um ótimo espetáculo para senhora!"
r: Obrigada!

(Quando a senhora que estava atrás se volta e fala...)
"Mas você está sozinha, parece tão novinha...."
(A funcionária do teatro pediu que eu caminhasse para outra fila que estava menor.)

A solidão incomoda as pessoas, sem saber que estar sozinho, não é estar na companhia da solidão.
Hoje descobri um dos sentimentos mais urgentes e necessários: gostar-de-si. É isso mesmo, gostar de você, como é bom caminhar tranquilo, de alma em paz.
Não importa se chove ou se o trânsito está complicado, se o homem cospe no chão do ônibus, não importa, já disse que não importa!

Porque hoje eu descobri que gosto de mim. Escolher um espetáculo, comprar um ingresso, colocar o sapato novo e a bolsa nova. Perguntariam, mas pra que se arrumar desse jeito?
Não falem que é para ninguém, não ouvirei. É claro que é para mim mesma.

Não existe nada mais importante do que eu mesma!

Bobagem? Talvez...